Cabaré por cabaré, prefiro os que existiram no Sítio Histórico Porto de São Mateus, pois eram autênticos, elegantes, honestos e românticos, e, sobretudo, as suas festas eram regadas a legítimo champagne Moët & Chandon, importado da França, que chegava no lastro dos navios, desde os negreiros aos mercantes de longo curso.
E essas noitadas eram financiadas pelos próprios senhores de notável respeito e honra ilibada da sociedade mateense, que, após o apagar dos lampiões, colocavam os seus ternos de linho branco e desciam as íngremes ladeiras para frequentar o Boulevard, Flor de Liz ou Luz das Estrelas, pagavam a conta e não existia dinheiro público financiando as festas.
Certa feita, o notável Sérgio Buarque de Holanda, antes de Chico Buarque de Holanda vir ao mundo, foi levado por Aldemar de Oliveira Neves para conhecer o ”Luar de São Mateus”, se encantou com os cabarés do Porto, onde passou três dias e três noites.
Quando a elite mateense soube que aquele professor paulistano, de encantadores olhos de jade, estava nos cabarés da Cidade Baixa e não subia à Cidade Alta, mandou um emissário para levá-lo a conhecer as moçoilas preparadas para o casamento.
O emissário encontrou Sérgio Buarque de Holanda dormindo, à sombra da tarde, com a cabeça repousada no regaço de Maria Pequena, e o acordou com uma proposta:
— Você deveria ir à Cidade Alta para conhecer as senhoritas da sociedade, mas fica no Porto com essas mulheres suspeitas!
O genial Sérgio Buarque de Holanda, antes de se tornar um dos maiores intérpretes do Brasil, levantou a cabeça do colo macio de Maria Pequena e respondeu:
— Suspeitas, não! Essas são as mais autênticas e honestas prostitutas dos cabarés do Brasil. Suspeitas são as que você quer me apresentar!
Anos depois, quando contei para Chico Buarque de Holanda as aventuras de seu pai nos cabarés do Porto de São Mateus, ele escreveu a canção “O que será” (A flor da pele), que diz em alguns de seus sublimes versos:
O que será que será / Que vive nas ideias desses amantes / Que cantam os poetas mais delirantes / Que juram os profetas embriagados / Que está na romaria dos mutilados / Que está na fantasia dos infelizes /
Que está no dia-a-dia das meretrizes / No plano dos bandidos, dos desvalidos / Em todos os sentidos / Será que será / O que não tem decência nem nunca terá / O que não tem censura nem nunca terá / O que não faz sentido…
Hoje, a canção deveria ser cantada pelas ruas da quase quinhentista cidade, pois São Mateus virou um imenso cabaré de beira de estrada, com a Câmara de Vereadores ocupada por uma maioria de ignorantes, incultos e semialfabetizados, enquanto a Prefeitura Municipal é comandada por bandidos, corruptos e assaltantes do erário, que foram presos nesta semana, com grande repercussão nos principais noticiários da imprensa brasileira.
Então, é hora de apoiarmos a Polícia Federal pela operação Minucius que levou à cadeia uma bandidagem que cometeu os maiores crimes da história do executivo mateense para que possamos sair desse abjeto, medíocre e imundo baixo meretrício público que vem convertendo os últimos pleitos eleitorais em negócios escusos, com escabrosas compra de votos e abuso de poder econômico.
Enquanto isso, no plano imaterial, os antigos senhores, possivelmente, se reuniram no firmamento e mandaram dois anjos com suas espadas afiadas para “cortar o mal pela raiz” e colocar atrás das grades essa escória que chegou ao poder e faz envergonhar os cidadãos mateenses honestos, dignos e trabalhadores que assistem pelo noticiário a maior degradação moral de nossa história.
E surgiram dos céus, feitos fachos de luz, dois mensageiros da lei e delegados federais — Eugênio Ricas e Patrick Cazelli — com o apoio da Controladoria Geral da União, Ministério Público Federal e o GAECO/ES, para fazer uma faxina nesse atual “Cabaré São Mateus” e mandar para a cadeia os usurpadores do poder, quadrilheiros, criminosos e locupletadores do erário, que fizeram sangrar a alma e a história de uma das mais antigas cidades do Brasil.
Faz-se necessário acreditar que, a partir dessa desfaçatez, o povo mateense aprenda uma lição e escolha melhor os seus governantes, e que estes possam honrar a secular história escrita por homens de dignidade, como Jones dos Santos Neves, Graciano Neves, Constante Sodré, Antônio Aguirre, Desembargador Santos Neves, Ceciliano Abel de Almeida, Mesquita Neto, Arnaldo Bastos, Roberto Silvares, Arnaldo de Aguiar Bastos, dentre outros filhos ilustres dessa terra, para que não sejamos piores do que os frequentadores dos antigos cabarés do Porto, onde a moeda corrente saía do próprio bolso, prevalecia o caráter, não existia roubo de dinheiro público e os malandros eram apenas os da beira do cais.
Maciel de Aguiar
Escritor das barrancas do rio que o gentio chamou de kiri-kerê.
Redação Mov News
Equipe de jornalismo do MovNews
Que texto é esse? Meu querido Maciel, meu Mestre. Parabéns pela riqueza de vocabulário! Que venha uma nova era pra nós!
Maravilhosa crônica relatando com sabedoria de Mestre mais um triste momento da nossa história.
Parabéns pela lucidez da análise deste vergonhoso momento.
O texto de Maciel de Aguiar, como sempre, é rico e extremamente bem escrito.
Todo o meu apoio e agradecimento à equipe da policia federal e todos os envolvidos na operação para levar os bandidos onde eles merecem estar.
Só não posso deixar de observar que não se pode dizer que os cidadãos que se metiam em seus ternos brancos de linho e desciam para os cabarés, deixando em casa suas smulheres e além disso possuíam escravos, eram cidadãos de “honra ilibada”, pois quem fez/faz isso não o é.
A propósito, Maciel, não obstante toda a admiração que tenho por ti, até hoje não entendi como pôde apoiar e até fazer campanha para Daniel da Açaí.
Incrível este texto, retrato da realidade nua e crua, São Mateus merece mais. O problema é mudar a cultura de um povo, que quer viver de esmola e barganhando seus votos por miúdos.
Ainda ontem no final do expediente estávamos eu, minha amiga Sandra e meu amigo Edvaldo conversando sobre nossa querida Cidade e o colega Edvaldo falava sobre essa história do Porto. Foi muito bom acordar hoje e receber esse texto espetacular! Parabéns!
Texto delicioso, que nos trás fatos picarescos do passado da cidade. Narrativa que nos leva a refletir a podridão que tomou conta da coisa pública.
Que desçam mais anjos sobre S.Mateus e a terra de Vera Cruz, para espantar os salteadores que proliferam em torno do poder.
Salve Maciel, bardo de valor!
Qdo o povo aprender a só votar em candidatos íntegros, com vocação para política voltada ao bem da coletividade e crescimento das cidades, estados e país, teremos o bem público respeitado e não usado no enriquecimento ilícito.
O Maciel é um escritor sábio, grande pesquisador, inteligente e transcreveu com genialidade a situação que vivenciamos hj de maneira propalada mas que já se vivência desde pleitos passados nas prefeituras e estados do Brasil de forma igualitária.
Temos que mudar essa situação que de estende até às instituições judiciais.
Deus acima de tudo!
Brasil acima de todos!
Infelizmente, o seu texto se encaixa como uma luva à maioria dos eleitos por esse inonimavel Bolsonaro em nível nacional.
Apesar de tudo, devemos sim acreditar num amanhã promissor e trabalhar por isso!
Ótimo texto, ótimo de ler.
Texto fantástico, super definido.
Errar faz parte do ser humano, assim como Marciel, nós também erramos, todos nós, diretamente ou indiretamente, elegendo nossos políticos Mateense.
Não adianta julgarmos apontando dedo a ninguém, isso não irá trazer o tempo de volta.
O Brasileiro nunca participou tanto da política como está participando agora.
Que nos sirva de exemplo para que possamos eleger pessoas de boas índole, de caráter, compromissada com o povo, e com a nação.
A próxima eleição está vindo, cuidado, não comeram o mesmo erro.
“Ame a sua Pátria, ela não é culpada dos filhos que tem”.