A economia capixaba apresenta sinais de retomada em meio a crises. Dados do Produto Interno Bruto (PIB) do Espírito Santo já apontavam para a manutenção do crescimento acima da média nacional. Enquanto o país cresceu 4,6% em 2021, o Estado registrou 6,7% no ano passado. Pode ser cedo para cravar um desempenho ainda melhor em 2022, mas especialistas projetam continuidade apesar, por exemplo, dos feriados.
Somente neste mês de abril, são três – sendo dois nacionais. O primeiro, celebrado no último dia 15, foi a Sexta-Feira Santa. Quase uma semana depois, na quinta-feira (21), Dia de Tiradentes, que pode resultar também em ponto facultativo ou no “enforcamento” da sexta-feira seguinte. Já na segunda-feira, dia 25, é a vez do Dia de Nossa Senhora da Penha, padroeira do Espírito Santo.
Ao todo, somados os pontos facultativos da segunda e terça-feira de Carnaval, que foram pontos facultativos, 2022 chegará ao fim com nove feriados em dias úteis. Enquanto muitos comemoram o descanso, diversas atividades econômicas são impactadas negativamente. Entre as mais afetadas está o comércio, setor que no Estado deve deixar de faturar cerca de R$ 420 milhões neste ano em decorrência dessas datas.
A estimativa é da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Espírito Santo (Fecomércio-ES). O dado considera o valor adicionado diário do comércio capixaba como o valor máximo que poderia ser “perdido” em um dia parado e a quantidade de dias úteis perdidos. A projeção foi elaborada pela Assessoria Econômica da entidade, baseada em números de 2019 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).
“A ocorrência de feriados prejudica a maioria das atividades. No caso do comércio, a movimentação de pessoas diminui consideravelmente e, com algumas exceções, como supermercados, farmácias e shoppings, as lojas permanecem fechadas”, diz o relatório.
Impactos dos Feriados
Fechar nos feriados é o caso do estabelecimento comercial de Thiago Santiago, 37 anos, uma loja de materiais de segurança eletrônica localizada em Santa Lúcia, Vitória. Para ele, parar em dia útil é péssimo.
“O feriado é sexta-feira (15), mas a semana toda já foi ruim. Provavelmente, a próxima semana também vai ser a mesma coisa. Às vezes, é ruim antes e depois. Por exemplo, o feriado desta semana foi sexta, então sábado e domingo morre, não conta, mas, semana que vem é na quinta-feira. Então sexta-feira esquece, é morto”, explica o comerciante, que, somando as restrições econômicas provocadas pela pandemia, viu seu faturamento cair 40%.
As vendas diminuem ainda mais nos feriados prolongados. “A questão também é que as pessoas viajam nesses períodos. Se sexta é feriado, elas saem de ‘férias’. Os meus clientes prestam serviço para os clientes finais. O prestador de serviço que compra comigo acaba não atendendo à demanda toda que tem de atender. É um efeito dominó, cai para todo mundo”, garante Thiago, que torce por antecipação dos feriados que caem entre quarta e sexta-feira ou que “deixem só os nacionais”.
Descanso merecido
Poucas vendas resultam em baixo faturamento e, consequentemente, em lucro reduzido após a subtração dos custos fixos e variáveis de uma empresa. Apesar de tudo isso, José Luiz, 66 anos, dono de uma loja de bicicletas e equipamentos de ciclismo da capital, não se opõe aos feriados. Pelo contrário.
“Para as vendas é prejudicial, mas eu gosto de feriado. Quem não gosta?”, indaga com bom humor o empresário com oito anos de atuação no ramo. “Sempre vende menos no feriado, mas faz parte para a gente descansar. Porque me beneficia também. A gente já chega numa certa idade que quer mais feriado. Não importa se vamos ganhar menos. Prefiro ganhar menos e ter mais feriado”.
A forma descontraída com que José Luiz pesa o valor dos negócios e do descanso não significa que as vendas andam às mil maravilhas. “Sim, tivemos queda, não há dúvida. Nesse período o faturamento caiu bastante. Reduziu 40%, 50% em parte de 2021 e já caiu ainda mais em 2022”.
Despesas
Se fechar o comércio entre segunda e sexta-feira é prejudicial, operar em feriados pode manter o volume de vendas, mas a custos operacionais mais altos. Segundo Fecomércio-ES, as despesas podem crescer até 100% em relação a um dia de trabalho.
Mesmo com o benefício da folga em feriados, a federação ressalta que os trabalhadores também têm perdas nesses dias, pois boa parte deles recebe comissões. “O prejuízo varia conforme o segmento de cada loja, os salários e gratificações pagos e a localização de cada estabelecimento”.
Projeção
Em todo o país, segundo projeção da Confederação Nacional do Comércio (CNC) divulgada em dezembro do ano passado, cerca de R$ 17,25 bilhões devem deixar de entrar no caixa do setor até o final de 2022. Os reflexos são maiores nas atividades com folha de pagamento mais pesada.
A entidade estima grandes reduções nos três segmentos que concentram 55% dos salários pagos no varejo brasileiro: hiper e supermercados, com R$ 3,33 bilhões; vestuário, calçados e acessórios, com R$ 2,83 bilhões; e no comércio automotivo, R$ 2,63 bilhões. Juntos, estas áreas devem responder por mais 51% das perdas projetadas.
Alento
De acordo com a CNC, o comércio varejista nacional perde R$ 2,46 bilhões a cada feriado em dia comercial. Há, no entanto, um alento. Com dois feriados a menos em dias comerciais, as perdas devem ser 22% menores neste ano do que em 2021, quando o setor deixou de arrecadar R$ 22,11 bilhões, pior desempenho desde 2015, ano que teve oito feriados nacionais em dias de semana e uma fuga de R$ 22,49 bilhões.
“Perdas existem. Cada dia de feriado a mais é uma de venda a menos. Os tributos são os mesmos e as receitas diminuem consideravelmente. Em abril são quatro dias perdidos ou, no mínimo, de queda substancial. A única alternativa é postergar os feriados, defende o economista Sebastião Demuner, membro do Conselho Regional de Economia do Espírito Santo (Corecon-ES), para quem “falta vontade política para resolver o problema”.
Entretanto, o conselheiro pontua que as estimativas para o setor não vão prejudicar a recuperação econômica iniciada. “É aquela história do cobertor curto: as pessoas acabam se adaptando e colocando no custo operacional esses valores. Nesse estágio da pandemia, as pessoas estão loucas para viajar. O turismo está bombando no Brasil e no Estado”.
Turismo e lazer
De fato, apesar de integrar o setor de comércio, bens e serviços, o turismo – e o lazer – são segmentos que se aproveitam dos feriados, especialmente dos prolongados. A tese é defendida também pela Fecomércio-ES, que credita aos dias de folga a geração de resultados positivos para cidades turísticas, especialmente as capixabas.
“O cenário atual da economia mostra uma procura maior por destinos nacionais e as viagens curtas tendem a ser favorecidas”, acrescenta a federação em seu relatório, que destaca a localização geográfica do Espírito Santo, próximo aos principais emissores de turistas (Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo).
Além disso, pesam as particularidades locais, tais como os atrativos turísticos distribuídos em 10 regiões turísticas. Nesse caso, uma maior circulação de viajantes a passeio ou até mesmo a trabalho favorece uma maior movimentação nos comércios locais. Ainda assim, é preciso resolver velhos gargalos, como classificar Demuner.
“É difícil equacionar turismo e comércio. Um estado como o nosso, privilegiado com belezas, deveria ter incentivo por parte do governo, que tenta fazer algo em relação a isso, mas parece fazer com amadorismo. O profissionalismo é a chave. Temos exemplos de Blumenau, em Santa Catarina, em que eventos começaram do nada, como a Oktoberfest, e, hoje, a cidade vive disso, desse turismo o ano inteiro”.
Antecipar feriados
Demuner critica também o que considera falta de vontade política para antecipar feriados. “Tudo se resolve no campo político. Quando não se tem vontade, se perde. Se as federações do comércio falarem para antecipar e forem nos deputados, abrir espaço, vão resolver o problema. O que percebo é que não existe vontade para tal”, conclui.
Retomada
O presidente do Corecon-ES, Claudeci Pereira Neto, também enxerga a retomada econômica pela qual passam Brasil e Espírito Santo e aumenta o leque das condicionantes que freiam esse crescimento. Vale lembrar que a alta do PIB do País em 2021 veio após um tombo de 4,1% em 2020, ao passo que o do Estado despencou 5,1%, segundo cálculos do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN).
“Uma recuperação existe, mas de forma muito lenta. Além da pandemia, existem outros fatores que ajudam a economia a não estar com desempenho satisfatório. A vacina [da Covid-19] foi eficaz, eficiente. A mobilidade voltou, os estados não exigem mais o uso de máscara, como o Espírito Santo. A vacina cumpriu o seu papel, apesar de todo esforço contrário de muitas pessoas. O cenário agora é de crise provocada pela guerra pela invasão russa à Ucrânia”, expressa.
Gargalo
Claudeci explica que uma guerra como essa eleva muitos custos, tanto para empresas quanto para famílias, já que o petróleo é um insumo fundamental para empresas, indústrias, autônomos que precisam usar seus veículos, famílias que tenham ou não um transporte particular e trabalhadores que usam o transporte coletivo.
“É uma crise que gera um processo inflacionário em decorrência do aumento de custos que é repassado ao preço das mercadorias. Esse é o principal gargalo para a economia, hoje, estar com alto índice inflacionário. Além de tudo, da economia não se recuperando no ritmo desejado, o nível de emprego fica muito aquém do necessário para ocupar essa força de trabalho que existe no país”, prossegue o economista.
Desafios
Com alta taxa de desemprego – 11,2% no trimestre móvel encerrado em fevereiro, a menor para o período desde 2016, segundo o IBGE – e queda de 8,8% em um ano na renda média do brasileiro – chegando a R$ 2.511 no mesmo mês e resultando na mais baixa desde o início da série histórica do instituto, em 2012 –, a guerra na Europa se soma a outras condicionantes para a formação de um cenário “desafiador”.
“Temos um cenário de muito desemprego, perda de poder aquisitivo das famílias, aumento de custos para empresas e um cenário político incerto em virtude do baixo nível de aceitação do governo federal. A maioria das pessoas reconhece que é um governo ruim para regular”, acrescenta Claudeci.
Comércio
Por fim, o economista assegura que, no Espírito Santo, o maior prejudicado por tantos fatores é o comércio. Numa reação em cadeia, a guerra provoca aumento nos preços de produtos comprados da Rússia e da Ucrânia, como trigo e fertilizantes, e afeta as exportações. Em contrapartida, o Estado pode se beneficiar justamente do alto valor das commodities no mercado internacional.
“O Espírito Santo tem uma característica de crescer mais que o Brasil. Nesse início de ano nós já crescemos mais. Isso em virtude também das commodities que estão com preço elevado no mercado internacional, como, por exemplo, o café, o minério de ferro. Nós temos que aproveitar essa fase”.