Insegurança e alagamentos tiram o charme do IBES, em Vila Velha

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Morador conta histórias do IBES

O bairro do IBES, em Vila Velha, teve seu auge nas décadas de 60 e 70, quando os trabalhadores da classe média baixa vislumbraram a chance de morar em um local teoricamente planejado para atender as demandas de uma região desabitada, sem empreendimentos comerciais e cercada pelo preconceito de quem morava nos bairros mais abastados.

Por um tempo o investimento deu certo e o bairro cresceu, recebendo trabalhadores de várias partes da ainda sonhada região metropolitana da Grande Vitória. Na praça central do bairro, o Cinema Aterac era a atração maior. Foi nos bancos do Aterac que relacionamentos foram engatados, namoros começaram e beijos foram roubados.

Na praça em frente  ao cine funcionava um chafariz com uma fonte que derramava água por uma piscina que podia ser atravessada por uma bucólica ponte que ainda hoje existe, mas sem a beleza do espelho dágua.

Nossa equipe de reportagem visitou o bairro e conversou com antigos e novos moradores e comerciantes. A  reclamação entre todos é unanimidade: faltam segurança e infraestrutura para o bairro que leva o nome de uma sigla: Instituto do Bem Estar Social (IBES).

Um desses moradores é Marcelo Pereira, conhecido por todos no IBES e detentor de uma memória espetacular. Ele conta histórias do tempo em que o bairro, em sua maioria, era habitado apenas por famílias de trabalhadores de instituições públicas.

“Aqui reinava o sossego. Muita gente vinha de outros bairros namorar aqui, já que o cinema era uma atração. Por muito tempo o IBES era referência em badalação. Mas houve um declínio com a expansão desordenada, implantação de comércio e pequenas indústrias. Hoje a violência nos incomoda”, reclama.

Marcelo Pereira contou ainda que o Cine Aterac rivalizava com outro cinema famoso da época, O Cine Américan, só que no bairro da Glória, em Vila Velha. Moradores de um bairro acabavam indo para o outro para prestigiar a exibição.

“Ali nasceram grandes amores, relacionamentos que já acabaram e outros que frutificaram, com filhos, netos e bisnetos que ainda hoje formam a “família do IBES””, revela com alegria.

Mas nem tudo é felicidade no IBES. O mato toma conta de algumas ruas e calçadas. Becos sujos e cheios de lixo trazem medo e mau cheiro. Casas abandonadas e algumas sem telhado trazem mais riscos. Primeiro devido ao acumulo de água que atrai mosquitos. Depois, por se tornarem abrigo de usuários de drogas, traficantes e moradores de rua. Em alguns casos as caixas dágua estão destampadas, o que torna as casa verdadeiras piscinas de mosquitos.

Os constantes alagamentos de algumas ruas também assusta os moradores, que já perderam móveis e a paciência. É o caso da dona de casa Anastácia Lins. Ela reclama que o bairro sempre sofreu com os alagamentos mas que, nos últimos tempos, a situação piorou.

“Algumas ruas não são asfaltadas justamente para facilitar o escoamento por meio dos espaços entre os blocos. Mas nem isso tem resolvido. Estamos abaixo do nível do mar, mas as obras de infraestrutura já deviam ter corrigido isso”, reclama.

Por email, a assessoria da Prefeitura de Vila Velha limitou-se a perguntar em quais ruas acontecem os alagamentos no IBES. E sobre a segurança a PMVV limitou-se a dizer que a  competência é estadual.

Ruas mal cuidadas no IBES

Segue o email da PMVV

“Adequação de calçada é de competência do proprietário do imóvel. A secretaria de Serviços Urbanos de Vila Velha, vai enviar equipe da Posturas para notificar os proprietários para que se adequem. Em casos assim, a população pode solicitar as ações pelo telefone da Ouvidoria Municipal, no 162.”

História

No Espírito Santo, durante o início da década de 50, a política de habitação implantada pelo governo teve caráter social e preocupação com o aprimoramento técnico no processo construtivo. O Governo do Estado havia criado o IBES (Instituto do Bem Estar Social), que tinha como principal finalidade, construir habitações a baixo custo para a população carente do Estado.

A política que criou o IBES, via a questão habitacional como atribuição do Estado, e como algo que estava distante das soluções empresariais de mercado. Razão pela qual o IBES produzia material de construção, construía e financiava habitações a juros, prestações e prazos fixos, tornando esse bem acessível a uma grande faixa da população.

Durante a construção do “Núcleo Residencial Alda Santos Neves”, que ficou conhecido como bairro do IBES, observou-se o uso de medidas técnicas e alternativas racionais até então pouco usuais em nossas edificações. Testou-se o uso de telhas francesas de cimento, e empregaram-se em larga escala blocos pré-moldados.

Sendo todos esses materiais oriundos de fabricação própria. Os blocos pré-moldados tinham a finalidade de reduzir o preço final da habitação em função do baixo custo da areia usada na sua fabricação, da produção em escala, e do aumento da produtividade que poderia ser alcançado na execução das edificações, em razão do uso racional dos três tipos de blocos fabricados – um para fundação, um para alvenaria e outro para arremate.

A experiência do IBES foi, efetivamente, importante para o tratamento da questão habitacional. Fugiu das regras da construção habitacional, conforme as leis do mercado e apresentou, mesmo com certos limites, preocupação em conseguir ganhos de produtividade através do uso de técnicas construtivas mais racionais. Admite-se, que sua orientação foi muito mais apropriada do que o tratamento que até bem pouco tempo atrás era dado ao problema da habitação.

É importante situar o Espírito Santo no contexto da dinâmica nacional para conhecer a sua posição relativa frente aos estados desenvolvidos do país e saber que nem sempre os interesses constituídos em torno da produção do seu espaço, se assemelham com os de outras regiões.

No Espírito Santo, por razões do nosso contexto histórico de formação, que não cabe aqui discutir, a década de 50 n.io tem semelhanças com o que se passou em São Paulo. A referência diz respeito à industrialização já presente naquele Estado, à concentração urbana, ao mercado de trabalho, e à dinâmica empresarial do mercado de terras urbanas e da construção civil, considerada já um ramo Industrial.

Bairro conta com supermercado, hospital e DPM

Em São Paulo, grande parte da produção de moradias populares era feita por empresas de construção, que depois alugavam os imóveis obtendo elevada lucratividade. No Espírito Santo, esse fenômeno não foi encontrado. O provimento habitacional ficava a cargo de uns poucos construtores instrutores e das modestas realizações dos institutos de aposentadorias e pensões, sem que qualquer empreendimento de porte, semelhante às vilas operárias fossem feitos. A população de baixa renda, sem alternativa de ser atendida pelo mercado formal de produção de moradias, invadia as áreas públicas – os mangues e morros.

A indústria não tinha expressão e nem as cidades concentravam excessivos contingentes populacionais. A participação da indústria na geração da renda interna do Espírito Santo era de apenas 7,1%. Esse indicador, mesmo de pequena expressão, pouco tem a ver com a atividade urbana da Grande Vitória.

A indústria capixaba sempre foi uma atividade concentrada em poucos ramos de produção. Em 1949, só para se ter uma indicação, o ramo “produtos alimentares” concentrava 76,69% do valor da produção da indústria e 36% do número de operários. E se for feita a decomposição desse ramo, nesse mesmo período, vê-se que ao sub-ramo denominado “beneficiamento, torrefação e moagem dos produtos alimentares” correspondia 79% do valor da produção e 49% do número de operários do ramo produtos alimentares.

O que possibilita provar que a indústria no Espírito Santo, por volta de 50, resumia-se ao beneficiamento do café, atividade comumente situada nas fazendas e em pequenas cidades do interior. Portanto, correspondia muito mais a uma atividade rural do que propriamente urbana com localização na capital.

Apesar de ao comércio/serviços corresponder, no período, a geração de 42,6% da renda interna do Estado, a população capixaba era eminentemente rural. 80% dos habitantes do Espírito Santo estavam no campo. E a Grande Vitória concentrava 41% do contingente urbano. O Espírito Santo vivia da agricultura, em particular da produção cafeeira, o principal produto gerador da renda do Estado. Não havia, no entanto, qualquer semelhança com a dinâmica presente no Estado de São Paulo, onde a atividade urbano-industrial já estava consolidada.

A diferença de ritmo da dinâmica do Espírito Santo em relação aos estados desenvolvidos do país foi o motivo da ação industrial do Governo Estadual na administração 1951/54. E no bojo dessa ação governamental é que nasce, como medida acessória, o projeto de criação do IBES.

Jones dos Santos Neves, então governador eleito, imprime em seu plano de governo a tarefa de colocar o Espírito Santo no compasso dos estados desenvolvidos do país. Por dois motivos: o Espírito Santo, segundo esse governante, não podia mais se sustentar na monocultura cafeeira. As crises, ao longo da nossa história, que colocavam a economia do Estado ao sabor das oscilações da conjuntura internacional, foram motivos para que se pensasse na diversificação econômica do Estado.

O outro motivo complementar, é que a conjuntura apontava para a alternativa econômica de promover o desenvolvimento da indústria no Estado. A política de Getúlio Vargas, construindo as indústrias de base no país, facilitaria a ação de Jones para que também lançasse seu plano de industrialização do Espírito Santo.

Para chegar ao governo, no entanto, Jones precisou fazer algumas alianças. Estava com o seu partido, o PSD, rachado. Havia perdido eminentes líderes como Atílio Vivacqua que, saindo do PSD, filiou-se ao PR, assim como Asdrubal Soares, que foi para o PSP. Todos unidos em torno da UDN, somando um grupo de nove partidos, lançam-se para enfrentar o PSD. Jones não teve alternativa senão buscar a aproximação com o PTB, único partido que, naquele momento, podia somar com o PSD.

Bairro do Ibes década de 1960

A aproximação de líderes do PSD como Carlos Lindenberg e de Jones Santos Neves com Getúlio Vargas desde o período da interventoria, quando esse último foi interventor no Espírito Santo, facilitou a aproximação do PSD local com o PTB. Essa aproximação, portanto, dá um colorido mais forte ao programa de Jones às condutas trabalhistas.

A política de criação do IBES, desenvolvida por Jones dos Santos Neves, com todo o seu cunho social, fechava com a direção trabalhista do seu aliado político. Mesmo que, em nível local, essa política não pudesse constituir- se em um instrumento populista, tal qual era usada nos Estados urbanizados do país, ela foi uma resposta ao apoio prestado pelo PTB ao PSD, na eleição de 50.

Soma-se à direção trabalhista que vai dar, por um lado o motivo para a criação do IBES, as razões de ordem acessórias que vão juntar-se à política industrial então planejada. Era preciso, para que o Estado se industrializasse, que fossem criadas as chamadas condições gerais de produção. E a construção habitacional é uma dessas condições, ligadas à reprodução da força de trabalho, sem falar, ainda, no outro fato, que vai reforçar a iniciativa de dar tratamento às carências na área habitacional.

O Estado, como vimos, era eminentemente rural. Seria preciso a formação do mercado de trabalho dos centros urbanos para que a indústria pudesse ser implantada. Tudo leva a crer que, para a formação do mercado de trabalho, uma política habitacional que funcionasse, contribuiria muito.

Se, por um lado, a dinâmica histórica em que se encontrava o Espírito Santo, em relação aos estados desenvolvidos do país, constituía-se em um tipo de desigualdade econômica e social, por outro lado, criava condições para o desenvolvimento de uma política habitacional mais consequente.

Não resta dúvida que a política habitacional que criou o IBES fazia parte de uma política mais ampla, que pretendia lançar as bases da indústria no Estado. E que, a mesma política habitacional tenha sido viabilizada também como resultado de um acordo político, que pudesse buscar, não só as simpatias do PTB local, mas a de seu líder nacional. Isso, porém, não é o acontecimento mais relevante desta discussão, o fato de o IBES ter sido um meio e não um fim. O que nos interessa é como o IBES pode tratar o problema da habitação popular da época, unindo as políticas social e industrial na construção de moradias.

Nesse sentido é que a questão do “atraso” histórico do “atraso” histórico do Espírito Santo torna-se o elemento relevante na explicação. Considerando que a produção habitacional faz parte de um conjunto de interesses, tem-se que considerar que na década de 50, quando o IBES foi criado, esses interesses não estavam ainda conformados. E, consequentemente, Mias respectivas influências frente ao poder local, possivelmente, pouco ou nenhum efeito faziam.

Não se pode afirmar que Vitória possuísse, nesse período, um mercado de terras urbanas e que a construção civil (edificações) Já fosse um ramo empresarial com mercado próprio. As condições históricas particulares do Espírito Santo, como vimos, mostram um Estado essencialmente agrícola, apoiado na cafeicultura. A quase totalidade de sua população habitava o campo, com apenas 20% desse total residindo nas áreas urbanas.

A população urbana da Grande Vitória – composta pelos municípios de Vitória, Vila Velha, Cariacica, Viana e Serra –, compreendia 82.827 pessoas. Vitória era o município mais populoso dessa região e, no entanto, possuía apenas 50.415 habitantes na sua área urbana. Isso significa dizer que mesmo sendo a sede político-administrativa do governo, com o principal porto do Estado, Vitória ainda não tinha conseguido o dinamismo capaz de criar condições para o desenvolvimento da construção civil (edificações), de forma empresarial plena. E da mesma forma, a terra ainda não tinha se tornado um bem escasso, possuidor de um mercado.

Basta ver que o objetivo do governador Jones dos Santos Neves, de dar cobertura aos gastos do Estado com a criação do Bairro de Bento Ferreira, por intermédio da venda de lotes, não foi de imediato bem- sucedido. Não faltam outros exemplos. O Bairro de Camburi foi objeto de um importante empreendimento imobiliário, em 1928, mas sem sucesso. Existiam, portanto, naquela época como se pode verificar, alternativas de empreendimentos mais rentáveis do que a terra urbana.

As construções de moradias da classe média eram geralmente constituídas de casas térreas, feitas por encomendas aos construtores para que seus donos pudessem morar, raramente alugar. Não havia a prática de pessoas fazerem casas para vender.

 

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Alexandre Damazio

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